Donglu, a história de uma aldeia católica num país governado por ateus
Pequim, 11 mai (Lusa) - No interior do norte da China,
uma igreja do tamanho de um quarteirão, com paredes e colunas brancas, ergue-se
no centro de uma aldeia, entre casas de tijolo cru, estradas poeirentas e
plantações de melancia.
Trata-se da aldeia de Donglu, um dos lugares mais sagrados para os católicos
chineses, fruto de uma aparição de Nossa Senhora, em 1900, para proteger os
locais de uma rebelião nacionalista.
Aqui, a 140 quilómetros a sudoeste de Pequim, capital de um país
governado por ateus e sem relações diplomáticas com o Vaticano, quase todos os
habitantes são católicos.
"Desde crianças que recebemos os ensinamentos de
Deus", diz à agência Lusa Ke Hua, uma local de 27 anos, que está a ajudar
a irmã, proprietária de uma loja de artigos religiosos.
"A fé dá-nos restrições morais e uma base enquanto seres
humanos", explica.
O cristianismo, na China, estará mesmo numa fase de grande
expansão, preenchendo "o vazio moral" e o "excessivo
materialismo" provocados pela alegada crise da ideologia comunista e o
trepidante desenvolvimento das últimas três décadas de "Reforma Económica
e Abertura ao Exterior".
Ke reconhece a existência de uma "crise de valores" e
lamenta que "os interesses económicos estejam hoje por detrás de
tudo".
"Até as crianças já pensam em dinheiro; as ligações entre
as pessoas deixaram ter como base os afetos", diz.
Pequim não tem relações diplomáticas com a Santa Sé e a base
teórica marxista do Partido Comunista Chinês, que governa o país desde 1949,
promove o ateísmo.
Em Donglu, contudo, o catolicismo tem uma história antiga e
obteve maior proporção com as aparições de Maria em 1900, que o Vaticano
confirmou em 1928.
No domingo de páscoa, a igreja da aldeia está a abarrotar. Nas
ruas, lançam-se petardos e fogo-de-artifício para "afugentar os maus
espíritos", uma tradição reservada na China para a passagem do Ano Novo
Lunar, a mais importante festa para os chineses.
Entre os crentes, trocam-se ovos com a inscrição "Deus
ama-te" e, em frente à igreja, vende-se algodão doce, outra novidade no
país.
"No meu coração, sou livre de ter fé", afirma Rui Yi,
nascida e criada em Donglu. "Não me importa as restrições que nos colocam.
Isso não abala a minha crença em Deus", atira.
Estima-se que haja já 12 milhões de católicos no país, entre os
quais muitos optam por celebrar a sua fé em igrejas clandestinas, que juram
lealdade a Roma, arriscando represálias das autoridades.
À chegada, o padre avisou os jornalistas da Lusa de que corriam
o risco de ser detidos, mas a reportagem acabou por decorrer sem incidentes.
Não foi sempre assim: em abril e maio de 1996, um ano após uma
segunda alegada aparição de Maria, mais de cinco mil efetivos militares, 30
carros blindados e diversos helicópteros foram destacados para Donglu.
Fontes católicas dizem que as peregrinações a Donglu foram
proibidas na década de 1990, com a polícia a selar a estrada da aldeia.
A aparição de Nossa Senhora terá ocorrido durante a revolta dos
Boxers, movimento nacionalista contra a presença estrangeira na China, que
tornou comum os atentados e torturas contra comerciantes, missionários e
diplomatas estrangeiros.
Donglu já era então uma aldeia predominantemente católica e,
quando os atacantes chegaram, Maria terá vindo em socorro dos crentes.
Tal como as aparições de Fátima em 1917, a igreja católica
confirmou a veracidade das aparições de Donglu. Em 1932, o Papa Pio XI
consagrava a aldeia como um lugar de culto a Nossa Senhora da China.
Hoje, para os habitantes de Donglu, a maioria empregados no
fabrico de gruas manuais ou no cultivo de melancia, a fé parece ser uma forma
de fugir à dureza da vida na aldeia.
"Acreditar em Deus é amar a humanidade, amar todas as
pessoas, sem limites", descreve Rui Yi. "Porque amo Deus, não conheço
o ódio".
RTP noticias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário